sexta-feira, 13 de novembro de 2009

INVESTIGAÇÃO :Menino contrai HIV em tratamento no hospital


Criança passou por duas transfusões de sangue em tratamento. Doadores fizeram testes, mas são HIV negativos

Em tratamento: menino de quatro anos toma quatro medicamentos para suprimir a ação do vírus em seu organismo. Médica afirma que ele tem o HIV, mas não a doença

A família de um menino de quatro anos e o Ministério Público Estadual, através da Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde Pública, investigam como a criança contraiu o vírus HIV, após ser submetido a tratamentos no Centro de Assistência à Criança Lúcia Fátima (Croa) da Parangaba e no Hospital Infantil Albert Sabin (Hias), onde ele passou por dois procedimentos de transfusão de sangue.

De acordo com a médica Selma Lessa, chefe do setor de Onco/Hematologia do Hias, a criança chegou ao hospital com apenas cinco meses de idade, em 2005, transferido do Croa, apresentando quadro de infecção intestinal e anemia grave. “Foi solicitada a primeira transfusão; ele foi internado e tomou antibiótico. Dois anos depois, o paciente retornou ao hospital, com novas infecções e febre. Após exames, foi constatada anemia e novamente o menino passou por outra transfusão” relatou a médica.

Com o retorno da criança ao Hias, os médicos suspeitaram de algum vírus e o serviço de infectologia fez um rastreamento, com vários exames. “No início deste ano, foi detectada a presença do HIV. O próprio hospital solicitou uma investigação dos procedimentos para saber onde a criança teria sido infectada”, explicou Selma.

Ela disse que as bolsas de sangue foram fornecidas pelo Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará (Hemoce) e o órgão conseguiu localizar os doadores. “Foram realizados exames em ambos e o resultado deu HIV negativo. Também foram examinados o irmão e a mãe do menino, que também não são portadores do vírus. O pai dele não foi submetido a exame”, informou.

A assessoria da Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde Pública disse que o caso já está sendo investigado. Todos os procedimentos realizados no Hias, segundo a chefe do Setor de Onco/Hematologia, obedecem às normas brasileiras de vigilância sanitária, sendo usados materiais descartáveis. As investigações devem apurar informações sobre o atendimento do menino no Croa da Parangaba.

Tratamento

Desde que foi descoberto o HIV no menino, o Hias oferece tratamento para suprimir a ação do vírus em seu organismo. “Ele toma quatro medicamentos. É o que chamamos de antivirais. Neste caso, a criança tem o vírus mas não tem a doença (Aids). Para se manter assim, ele precisa de um controle intenso”, comentou Selma Lessa.

O tratamento deve seguir até o menino alcançar a maioridade. “No início, são doses quinzenais, depois mensais. Acredito que ele está na fase das doses a cada dois meses, pois está sem a sintomatologia da doença”.

Preconceito

O Diário do Nordeste tentou entrar em contato, ontem, com a mãe da criança, mas a dona E. B. D, moradora do Bom Sucesso, não estava em casa. No telefone comunitário próximo à casa da família, uma amiga disse que tanto a criança como a mãe sofrem com o preconceito da vizinhança. “São poucos os moradores que vão chamar eles em casa para atender ao telefone”, disse a senhora que não quis ser identificada. Ela comentou que o pai do menino está muito revoltado com toda a situação e quer que o Estado se responsabilize pelo dano causado.

“Eles estão procurando um advogado para que a justiça seja feita. É uma situação muito delicada. Todos estão sofrendo. O menino é muito querido na família e na comunidade, mas muita gente tá com medo porque ninguém sabe como foi que ele pegou o vírus”, disse.

INVESTIGAÇÃO
Infecção do vírus através do convívio familiar é rara

O caso do menino em tratamento no Hospital Infantil Albert Sabin poderá ser considerado uma raridade se for confirmado, durante a investigação do Ministério Público, que ele contraiu o vírus HIV no convívio com a família ou em contatos casuais. De acordo com o infectologista Anastácio Queiroz, o fato de os doadores das transfusões de sangue e da mãe da criança serem soronegativos já torna a infecção incomum.

“Será necessária uma investigação delicada dos procedimentos médicos a que o paciente se submeteu, como uma troca de curativos numa unidade assistencial. Nesses casos, acontecem infecções com pequena frequência. Entretanto, se ele não tiver passado por procedimentos assim, o vírus pode ter sido transmitido pelo convívio familiar ou por contatos casuais, o que torna o caso muito raro, mas não impossível”.

O infectologista lembra que há documentação de casos em que dentistas transmitiram o vírus aos pacientes em procedimentos simples e até manicures já contraíram HIV ao fazer unhas de clientes. “São casos em que um sangramento microscópio é a via de transmissão, mas sempre são casos raros. Mães de hemofílicos com Aids, que podem aparentar ser um dos grupos com maior possibilidade de transmissão, não se contaminam. Pelo menos não há casos documentados. O importante no caso dessa criança é que a investigação dos órgãos de saúde identifique onde e como o vírus foi transmitido”.

FIQUE POR DENTRO
Estado foi condenado por caso semelhante, em 2005
Em outubro de 2005, a Justiça determinou que o Estado pagasse 500 salários mínimos à família de um menino de três anos e oito meses, que foi internado no HIAS, ainda quando bebê, passou por transfusões sanguíneas e contraiu o vírus HIV. Na ocasião, o valor da indenização era de R$ 150 mil.

A decisão foi tomada pelo o juiz da 6ª Vara da Fazenda Pública, Paulo de Tarso Nogueira. A família acionou a Justiça em 2004.

Na época, a direção do Hemoce se defendeu, alegando que o garoto recebeu dez transfusões de hemocomponentes, vindos do sangue de 12 doadores, devidamente cadastrados no órgão e que, como sempre acontece, tiveram o sangue testado pelo método Elisa, utilizado em todos os hemocentros do País, sendo HIV negativos.

Fonte: Diário do Nordeste

GUTO CASTRO NETO
REPÓRTER