quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Testemunha de Jeová, Durval de Moraes, o Mão de Onça, e o Gol mais lindo de Pelé


‘Olha o Cão!’, avisou Mão de Onça,
antes de sofrer gol mais lindo de Pelé
Aos 79 anos, ex-goleiro do Juventus relembra jogada em que Rei deu
chapéu em quatro antes de testar para a rede e diz que jamais viu gol igual
Por Márcio Mará Rio de Janeiro

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Por onde passa, Durval de Moraes é obrigado a contar a mesma história há 51 anos. O hoje seguidor da religião das Testemunhas de Jeová virou lenda no dia 2 de agosto de 1959. Nos tempos em que era apenas o goleiro Mão de Onça, do Juventus, foi a última vítima da obra de arte mais perfeita de Pelé, segundo o próprio Atleta do Século 20 e a maioria dos 10 mil presentes na Rua Javari. O gol em que o Rei dá quatro chapéus e testa a bola antes de estufar a rede na goleada do Santos por 4 a 0 só tem registro fotográfico. Mas o filme não sai da cabeça do viúvo de 79 anos, pai de nove filhos, avô de 17 netos, bisavô de 10 bisnetos.

- Não é porque foi em mim não, mas não vi mais bonito até hoje. Não dá para comparar com qualquer outro. Nem de Maradona, nem de Messi… Achei mais parecido o do Alex, quando jogava no Palmeiras (veja no vídeo abaixo). Ele chapelou um marcador e depois o Rogério Ceni, mas não completou de cabeça e deu balão em menos gente… – afirmou, com autoridade.

Da mesma forma que lembrou a jogada feita pelo meia, hoje no Fenerbahçe, da Turquia, na vitória do Verdão sobre o São Paulo por 4 a 2, pelo Torneio Rio-São Paulo de 2002, Mão de Onça não esquece até hoje os detalhes do golaço do Rei. Aos 36 minutos do segundo tempo, o Santos já vencia por 3 a 0 quando Jair lançou Dorval pela direita. Na altura da meia-lua, ele centrou para Pelé, que vinha em velocidade. O primeiro a levar chapéu foi Julinho. Depois vieram Homero, Clóvis e, por último, Mão de Onça. Estava pronta a obra-prima com quatro chapéus e, segundo Mão de Onça, duas embaixadinhas de cabeça antes de testar para o fundo da rede, ao contrário da reconstituição do lance feita no filme “Pelé eterno”.

- Antes da risca do meio-campo, o Pelé já saiu em disparada. Eu gritei para o Julinho: “Olha o Cão, atenção!”. Eu chamava o Pelé de Cão… Pensei que o Julinho ia cortar de cabeça, mas o Pelé matou no peito, tirou a bola, já o encobriu… Depois foram os outros. Fiquei por último… Quando eu levantei, com a bola lá dentro, o Rei comemorando, aquela gritaria toda no estádio, o Clóvis estava debaixo do gol. Se jogou lá, tentando tirar a bola. Olhei para ele e disse: “Pô, como é que pode esse cara meter um gol assim, dessa maneira?” Ele me respondeu: “Esse aí é o diabo em forma de gente!”. O Julinho ainda falou: “A bola estava no meu peito. Quando vi, sumiu!” – disse o ex-goleiro, por telefone.

Não é porque foi em mim não, mas não vi gol mais bonito até hoje”
Segundo Mão de Onça, Pelé estava naquele dia visivelmente irritado com a perseguição da torcida do Juventus. Mas, após os gols, o estádio inteiro bateu palmas para o Rei. E um fato curioso aconteceu: enquanto discutiam sobre o gol, o ponta do Juventus, Rodrigues, que estava deslocado como lateral-esquerdo, voltou gritando para toda a defesa.

- Este é o gol mais bonito que já vi! Por que vocês estão tão brabos? Têm é que abraçar o Pelé!

- Então, vai lá você abraçar! – respondeu o goleiro, ainda inconformado com o lance genial.

Para piorar a situação, Mão de Onça estava todo sujo de lama. Havia uma poça ali na área por causa das chuvas daquela manhã. O arqueiro contava com ela como aliada para parar a bola…

- Naquela fração de segundo, pensei em mil e uma coisas. Ameaço que vou e não vou? Bola de poça em água não pula… Minha ansiedade foi senti-la na água. Mas não chegou. Ele a tirou antes e me deu o chapéu. Pelé pensava muito rápido. E fui para a água, com barro e tudo.

Durval de Moraes, o Mão de Onça, com Agnes Dias, segundo ele, sua “neta espiritual”, no Congresso das Testemunhas de Jeová. Ex-goleiro do Juventus está hoje com 79 anos (Foto: Reprodução)
Com ou sem barro, Mão de Onça, único daquela defesa do Juventus ainda vivo, foi um dos que sofreram na mão do Rei. De cabeça, o goleiro, que começou a carreira com 15 anos, diz que sofreu oito gols do maior jogador do planeta. Depois de começar no amador Primavera Indaiatuba, Durval ingressou no antigo Clube Atlético Ituano – não é o Ituano de hoje, frisa. Após breve passagem por São Paulo e Atlético Mineiro, encontrou o seu porto seguro no Juventus. Querido lá, guardou também boas lembranças.

Mão de Onça nos tempos em que defendia o gol do
Juventus: boas recordações (Foto: Reprodução)
- Mas nosso time penou com o Santos. Dois anos depois daquele gol, teve um jogo na Rua Javari… O Pelé fez outra jogada impressionante. A partida estava 1 a 1. Empate com o Peixe era vitória. No segundo tempo, ele pegou uma bola na linha lateral do campo. Eu gritei: “Cerca!”. O Pelé olhou para trás, para as arquibancadas. O Cássio, que tinha ido nele, em vez de tomar a bola, fez a mesma coisa. Levou um drible da vaca. O Pelé saiu driblando todo mundo para a outra lateral, na esquerda… Aí, voltou driblando para a direita, cruzando o campo. A cena era incrível, todo mundo atrás do Rei… Eu pensei: se ele fizer esse gol, paro de jogar! Aí, quando se aproximou da área, centrou na cabeça do Pagão, que fez 2 a 1.

Na época, aquele dinheiro do bicho fez falta para Mão de Onça, que jogou até os 37 anos. Hoje, o ex-goleiro vive da aposentadoria depois de ter trabalhando numa firma de dedetização e como servente na USP. Com três casas alugadas em Itu, vive no Grajaú, em São Paulo. Quando está com “a grande família espiritual”, nas Testemunhas de Jeová, Durval de Moraes vira e mexe é alvo das gozações dos mais jovens quando fala sobre os duelos com o Rei Pelé. Tudo com o maior respeito.

- É bom sempre ser lembrado. Os santistas na Congregação brincam muito, e conto para eles as histórias. Acho engraçado hoje quando comparam alguns jogadores com o Pelé. As pessoas falam essas coisas porque nunca jogaram contra ele. Você já viu alguém fazer tabela com a canela do adversário? Pois é…

Nascido no dia 27 de setembro de 1944, em Miranda (MS) começou a carreira no Indústria Futebol Clube, de campo Grande. Em 1962, quando servia na Aeronáutica jogou pelo ASA. Em, 1964 defendeu o Juventus (SP), time em que antes havia se destacado outro goleiro chamado “Mão de Onça”. Em 1966 se transferiu para o Operário de campo Grande e em 1970 foi para o Flamengo do Rio de Janeiro. Sem chances no rubro-negro, voltou a Campo Grande onde foi contratado pela Sociedade Esportiva Industriaria (SEI). Em 1977 retornou ao Operário, onde encerrou a carreira. (Pesquisa: Nilo Dias)

“Mão de Onça”, em um jogo do Atlético contra o 7 de Setembro.

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