terça-feira, 28 de setembro de 2010

Entrevista com o Prof. Dr. Luiz Antonio Vane




Transfusão Sangüínea: Complicações e
Aspectos Gerais





Entrevista com o Prof. Dr. Luiz Antonio Vane
Professor Titular do Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Medicina
de Botucatu, da Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho”


Por Luciana Rodriguez


Prof. Dr. Luiz Antonio Vane


São inerentes às estratégias terapêuticas da transfusão sangüínea, algumas implicações e complicações. No caso da transfusão sangüínea, por poder representar risco ao paciente, mas necessária e imprescindível em algumas situações, a decisão em transfundir deve ser baseada no fato de que o benefício deve ser muito maior que o risco. A crescente incidência de doenças como a hepatite C e a aids nas últimas décadas aumentou a preocupação e a precaução em relação às transfusões sangüíneas.

O Professor Titular do Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu, da Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho” (UNESP), Dr. Luiz Antonio Vane, destacou nesta entrevista à Prática Hospitalar as complicações em transfusão sangüínea, a decisão em transfundir e o uso de sangue autólogo. Confira a seguir as considerações do especialista.

COMPLICAÇÕES DA TRANSFUSÃO SANGÜÍNEA

Entre as complicações mais comuns em transfusão sangüínea, podemos destacar as reações hemolíticas, que ocorrem mais comumente de duas maneiras: Intravasculares - incompatibilidade ABO, e Extravasculares - Antígeno eritrocitário e Anticorpos IgG (Rh). São basicamente conseqüentes a erros na tipagem, na identificação da bolsa, na identificação do paciente e por sensibilização anterior, quer por transfusão ou parto. Apresentam quadro clínico bastante exuberante, destacando-se durante anestesia geral a hipotensão, o sangramento e a oligúria.

Também as reações imunoalérgicas, a imunomodulação da transfusão, podem ocorrer. São mediadas por histamina, leucotrienos, prostaglandinas e fator ativador plaquetário, onde o paciente apresenta hipotensão arterial, broncoespasmo e urticária, entre outros. Destaca-se também o TRALI (Transfusion Related Acute Lung Injury), que são reações Ag-Ac (Ac-granulócitos ou Ac-linfocitotóxicos), podendo ser conseqüente à transferência passiva anterior (gestação) ou por transfusão. Esta reação ocasiona dano ao endotélio vascular pulmonar, comprometendo a permeabilidade capilar, podendo chegar ao edema pulmonar. Ocorre durante ou imediatamente após transfusão, com quadro de falência respiratória aguda, semelhante a SARA, mas com PVC normal ou até diminuída, o que serve de diagnóstico diferencial. O quadro engloba ainda hipóxia, febre e hipotensão arterial. E, finalmente, há um risco transfusional de transmissão de doenças, entre elas a hepatite B, hepatite C, HIV, HTLV e citomegalovírus.

A principal preocupação da população é com relação à transmissão destas doenças, especialmente a aids e a hepatite C, que têm sido um dos grandes problemas. No entanto, hoje, com os testes laboratoriais e as condições dos laboratórios, o refinamento das técnicas fez com que este risco diminuísse significativamente. Quando falamos, por exemplo, da transmissão de aids, a estatística é de menos de 1 para 600.000 transfusões.

Outras complicações relacionadas à transfusão sangüínea são: intoxicação pelo citrato (CPD), que é o anticoagulante usado, alterações do equilíbrio ácido-base, hiperpotassemia, hipotermia, formação de microêmbolos, reações transfusionais diversas, e diminuição no 2,3 DPG, que desloca a curva da dissociação da hemoglobina para a esquerda, dificultando a liberação do oxigênio para os tecidos.

DECISÃO EM TRANSFUNDIR

Quanto à decisão em transfundir, sempre cabem perguntas e algumas indecisões, como: até que nível de hemoglobina (Hb) o transporte de oxigênio para os tecidos é seguro? Essa resposta não é simples e vários estudos tentam definir este nível, sem, contudo chegar a um grande consenso. Porém, algumas regras básicas já estão bem definidas na indicação de sangue, como perda sangüínea > 20% da volemia ou > 1.000 ml, nível de Hb < 8 g/dl, ou Hb < 10 g/dl com grandes cirurgias, Hb < 10 g/dl com uso de sangue autólogo ou Hb < 12 g/dl se o paciente for ventilador-dependente, e também, alguns dados clínicos como freqüência cardíaca, pressão arterial média, débito urinário e estado de consciência, se possível de ser avaliado.

Outros parâmetros também são usados. A Sociedade Americana de Anestesiologia (ASA) define como limite para indicação de sangue níveis de Hb de 6 g/dl, especialmente se a anemia for aguda, Hb > 6 < 10 g/dl se a oxigenação estiver inadequada, e que quando os níveis de Hb estiverem maiores que 10 g/dl, raramente está indicada transfusão.

O FDA Drug Bulletin deu a seguinte definição para este problema: uma adequada capacidade de transporte de oxigênio pode ser obtida com hemoglobina de 7 g/dl ou menor, se o volume intravascular estiver adequado para uma boa perfusão.

Desta forma, resumidamente, a transfusão sangüínea deve ser feita na presença de oxigenação tecidual inadequada.

USO DE SANGUE AUTÓLOGO

Sangue é um produto que se possível deve ser evitado, pois a reposição volêmica prevê que o volume circulante pode e deve ser reposto, inicialmente, com cristalóides e até cristalóides/colóides, mas se houver indicação de transfusão, é importante levar em consideração alguns pontos, entre eles se o sangue a ser transfundido é autólogo ou homólogo. Com o uso do sangue autólogo, ou seja, sangue doado pelo próprio paciente antes da cirurgia, a técnica, apesar de mais segura, também não é totalmente isenta de risco, porque no momento em que o sangue é retirado e após, reintroduzido no organismo, ele sofre modificações, mas o risco ainda é menor quando comparado ao sangue homólogo. Porém, algumas complicações podem ocorrer, resultantes da transfusão com sangue autólogo, tais como anemia, isquemia miocárdica pré-operatória, geralmente ocasionada pela própria anemia, hemólise, contaminações diversas, coagulopatia dilucional, troca de bolsa ou de paciente, entre outras. Por estes motivos, alguns países não indicam mais a técnica, baseada no fato de que os testes laboratoriais são hoje bastante confiáveis, o que permite o uso de sangue homólogo com segurança comparável ao uso do sangue autólogo, além do que o custo para o uso de sangue autólogo é muito maior. Por outro lado, técnicas de conservação de sangue permitem sua manutenção em até dez anos, e algumas pessoas utilizam-se desse benefício e deixam seu sangue armazenado para caso de necessidade em urgência, como em acidentes, pagando por isso muito dinheiro.

As formas de aquisição de sangue autólogo são: Doações prévias, onde o paciente comparece ao hemocentro e doa sangue para seu próprio uso; Hemodiluição Normovolêmica Aguda, onde o paciente doa sangue imediatamente antes da cirurgia, segundo cálculo de seu volume sangüíneo total de seu hematócrito, com reposição por cristalóides e/ou colóides, e o Cell Saved, onde o sangue coletado na cavidade durante a cirurgia é recolhido por uma máquina onde é filtrado e processado, ficando os hemoderivados disponíveis para reinfusão no próprio paciente, quando e se necessário.

Mais do que tudo, porém, a transfusão sangüínea nada mais é que um transplante de tecido líquido, o qual é o responsável, entre outras importantes funções, pela imunidade do paciente. Desta forma, além de todos os cuidados necessários, é muito importante a lembrança deste fato, e de que reações são sempre possíveis, e se não diagnosticadas e tratadas a tempo poderão causar sérios danos ao paciente, inclusive sua morte, motivo pelo qual uma transfusão não é uma ação simples, e nunca pode ser feita sem supervisão adequada.

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